Lançado em 05 de junho de 2003, “St. Anger”, o oitavo disco do Metallica, é um dos trabalhos mais controversos da banda e da história do rock. O grupo adotou uma produção crua e orientada para o nu metal, deixando de lado toda a sua sofisticação harmônica. O principal fator que chocou os fãs foi a total ausência de solos de guitarra, um dos elementos mais característicos do estilo da banda e do próprio heavy metal.
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“St. Anger” foi gravado em um dos períodos mais conturbados da carreira do Metallica que começa com abatalha empreendida pela banda contra o Napster, em 2000 – algo que desgastou sua imagem, passa pela saída do baixista Jason Newsted, no início de 2021, e culmina com a ida do vocalista James Hetfield para uma clínica de reabilitação, pouco tempo depois, para tratar seu vício em álcool e outras drogas.
Ausência de solos foi ideia de Bob Rock
O período turbulento vivenciado pela banda e as gravações de “St. Anger” foram registradas no documentário “Some Kind of Monster”, lançado em 2004. Em determinada parte, o filme deixa claro que a ideia de excluir os solos de guitarra partiu do produtor Bob Rock, que recebeu apoio do baterista Lars Ulrich. A proposta inicialmente foi duramente criticada pelo guitarrista Kirk Hammett, que parece ser convencido pelos demais.
Em determinada sequência de “Some Kind of Monster”, a banda está reunida em seu estúdio e é convocada por Bob Rock para uma reunião. Na cena seguinte, assistimos Lars dizendo ao produtor: “você começou a falar sobre a ideia do solo de guitarra, como estamos acostumados, que talvez seja algo um pouco ultrapassado e que talvez devêssemos reintroduzir vários riffs”.
Nesse momento, ele é interrompido por Kirk Hammett, que demonstra, de maneira irritada, sua insatisfação com a ideia. “Posso dizer algo besteira? Essa merda toda de que o solo deixa o disco datado, isso é tudo besteira sabe? Se não colocamos um solo de guitarra em uma dessas músicas aí sim estamos vinculando a esse período e fica amarrado a uma tendência deste exato período, acho isso estúpido e modinha”, dispara o guitarrista.
“Não foi isso que eu disse”, contesta Lars. “A questão sempre foi até onde ir para criar algo novo e interessante, ao invés de ficar repetindo algo do passado”. Kirk então retruca: “não estou mais interessado em tocar solos de guitarra tradicionais, sabe, para mim, isso é chato, sabe.”
Na opinião de Bob Rock, os solos não deveriam ser uma regra. “Para mim, se você pode adicionar uma cor à música que o satisfaça e funcione para a música, então é isso que devemos fazer. Mas não quero chegar a uma posição em que colocamos algo para satisfazer seu ego, meu ego, o ego de Lars ou o ego de James. Acho que deve servir à música. Em outras palavras, não deveria haver uma regra de não ter solos. Não deveria haver uma regra de ter solos”, disse o produtor.
O filme não mostra a opinião do vocalista James Hetfield eo espectador entende que a posição de Kirk se torna voto vencido. “Eu concordo. Para mim é tudo uma questão de servir a música, sabe, me sinto muito melhor com isso porque, sabe, eu só não quero seguir certas tendências que vejo outras bandas seguindo. Não temos necessariamente que nos ater ao nosso jeito tradicional, mas também não temos que seguir essa tendência”, disse o guitarrista após Bob emitir seu ponto de vista.
Como o Metallica tratou a polêmica ausência de solos ao longo dos anos
Pouco tempo depois do lançamento de “St. Anger”, Kirk Hammett concedeu uma entrevista ao site rockezine.net, da Holanda, e comentou a polêmica decisão de excluir os solos de guitarra do disco. De acordo com o músico, a banda chegou a um consenso de que os solos não estavam se encaixando nas músicas e o álbum estava perdendo seu caráter orgânico.
“A razão para isso é porque, novamente, queríamos nos mover juntos, todos os quatro, na mesma direção musical. Também queríamos preservar o som do álbum. Quando tentamos colocar overdubs e solos de guitarra no álbum meio que soou como uma inclusão tardia, sabe? Como se tivesse sido colocado depois que o criamos. Isso se destacou. Queríamos preservar o som de nós quatro em uma sala apenas tocando. Espontaneamente juntos. Colocar coisas de produção em cima disso simplesmente não parecia certo. Tentamos colocar solos de guitarra, mas não continuei me deparando com esse problema. Realmente parecia uma reflexão tardia”, declarou Kirk (via Blabbermouth).
Anos depois, Kirk admitiu que a ideia foi um erro e a atitude da banda deixou claro como os solos de guitarra são importantes. “Acho que foi apropriado para a época, mas, olhando para trás, não parece tão apropriado para mim agora!”, disse em entrevista à revista Metal Hammer (via GuitarLoad). “Sempre irei me opor a isso, mas acho que a mensagem foi entendida depois daquele álbum: os solos são necessários no Metallica! As pessoas estão ansiosos para ouvi-los. Então, para mim, foi uma estranha reivindicação.”
James Hetfield também concordou que a decisão foi um erro, em entrevista concedida à revista Guitar World, em 2008. “Não fui um grande fã da ideia. Não sou o tipo de pessoa que escuta uma música prioritariamente pelos solos, mas eles são a voz da canção por alguns instantes. Não ter esse elemento em ‘St. Anger’ fez com que o disco se tornasse um tanto quanto unidimensional, embora não necessariamente chato. Então, ou você escutava riffs, ou vocais ou aquele som tão peculiar de bateria (risos)”, afirmou.
Sua justificativa para a escolha equivocada reforça o argumento de Kirk. “Nós reduzimos o Metallica a um esqueleto básico. Não foi diferente do que passei na minha vida pessoal. Durante esse período, eu estava me quebrando e reconstruindo. ‘St. Anger’ é exatamente o que tinha que ser e precisava ser.”