
Ao olhar para a discografia do Metallica, e relacioná-la com o contexto em que cada disco foi concebido, percebe-se que foram poucos os momentos em que a banda não esteve submetida a algum tipo de pressão. “Kill Em All” (1983) vem carregado do peso e dificuldades de ser o primeiro álbum enquanto “Ride The Lightning” (1984) sofreu a pressão de ser o segundo, a prova de fogo.
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“Master of Puppets” (1986) foi um raro momento em que tiveram a oportunidade de lapidar e continuar de onde pararam. No trabalho seguinte, “…And Justice for All” (1988), caiu sobre o grupo a necessidade de provar que conseguiria sobreviver à perda de seu talentoso baixista. “Black Album” (1991) foi gravado sob a expectativa de conquistar amplas audiências, “Load” (1996) e “Reload” (1997) são fruto da tentativa de entender para onde ir depois de um estrondoso sucesso. “St. Anger” (2003) foi escrito com banda desmoronando e “Death Magnetic” (2008) foi pensado para provar que eles ainda eram relevantes.
Assim chegamos à “Hardwired… to Self-Destruct” (2016), em que ouvimos um Metallica sem pressão, confortável e consciente do seu legado, o que nos leva, agora, à “72 Seasons”, uma continuidade desse processo. Em mais um momento raro na sua trajetória, a banda tem a oportunidade de seguir adiante e expandir a fórmula apresentada no antecessor: a combinação de elementos sonoros de sua era clássica com a dinâmica criativa de sua fase mais palatável e comercial.
A urgência punk juvenil de “Kill Em All” pode ser ouvida em faixas como “Shadows Follow”, “Lux Æterna” e “Too Far Gone?”. A complexidade e expansividade de “Ride The Lightning”, “Master of Puppets” e “…And Justice for All” estão presentes em músicas como a faixa-título, “Screaming Suicide” e “If Darkness Hard a Son”. O groove e estruturas melódicas da fase pós “Black Album” são verificadas em “Sleepwalk My Life Away”, “You Must Burn!”, “Crown of Barbed Wire” e “Inamorata”. Nenhuma das faixas, entretanto, se resume a uma coisa ou outra, o Metallica do passado e do presente estão amalgamados.
“72 Seasons” é um disco orgânico e pesado. Muito pesado! E também frenético, oscilando entre músicas aceleradas e momentos mais cadenciados, sem nunca perder a intensidade e densidade. Tem muito de Black Sabbath, bastante thrash metal, um tanto da New Wave of British Heavy Metal (Diamond Head, Iron Maiden, Judas Priest etc.) e alguma pitada de Thin Lizzy. O Metallica, com quase todos os seus integrantes já na faixa dos 60 anos, esbanja vitalidade e mostra estar mais em forma que seus pares de geração.
A energia de “72 Seasons” seja, talvez, reflexo de uma luta contra o envelhecimento ou, quem sabe, um último esforço antes que o desgaste físico impossibilite a continuidade. No show que o Metallica fez em Belo Horizonte em 2022, o vocalista James Hetfield desabafou: “Eu tenho que dizer a vocês que eu não estava me sentindo muito bem antes de vir para cá. Eu estava me sentindo um pouco inseguro, como se eu fosse um cara velho, que não pode mais tocar guitarra – toda essa merda que eu digo a mim mesmo na minha cabeça.”
Não por acaso, ele é a figura central de “72 Seasons”. O disco funciona como uma sessão de terapia para o músico. Ele decidiu mergulhar no seu passado, em seus primeiros 18 anos de vida – 72 temporadas – para entender a origem de traumas e comportamentos, uma maneira de enfrentar as turbulências que passou recentemente: em 2019, forçou o Metallica a cancelar uma turnê para que voltasse à clínica de reabilitação e, em 2022, se separou de sua esposa, Francesca Tomasi, com quem foi casado por 25 anos.
James se abriu como nunca antes e o resultado são letras que transitam entre o dramático, o visceral e o obscuro. “Baleado, traumático, tempo assombrado pelo passado, há muito tempo, dogmático”, canta na faixa-título. “Screaming Suicide” retrata a ideação suicída de uma maneira reveladora, “nunca fale o meu nome, lembre-se, a culpa é toda sua, me mantenha do lado de dentro, meu nome é suicídio”, diz o refrão. Impulsos e suas consequências são o tema de “If Darkness Had a Son”: “Se a escuridão teve um filho, aqui estou eu, tentação é o seu pai”, vocifera Hetfield. A longa e épica “Inamorada” é um manifesto de autocomiseração: “Miséria, ela precisa de mim, oh-oh, mas eu preciso dela mais, miséria, ela me ama, oh-oh, mas eu a amo mais”, lamenta o vocalista.
Com 77 minutos de duração, a maioria das faixas de “72 Seasons” fica por volta dos 7 minutos. Neste quesito reside um dos pontos fracos do disco, o Metallica demonstra, mais uma vez, sua incapacidade de se auto editar, de ser conciso. As músicas se beneficiaram de alguns minutos a menos e de um estrutura mais compacta. Tendo o aspecto emocional como eixo central do trabalho, a ausência de uma balada do nível de “Fade To Black” e “Nothing Else Matters” também é sentida, bem como a falta de uma dinâmica mais diversificada. É fato que o álbum não traz melodias e riffs facilmente assimiláveis, exige algum esforço do ouvinte.
Certamente, “72 Seasons” já nasce como um dos discos mais importantes da discografia do Metallica. Não cabe falar em retorno às raízes. A banda está focada em mergulhar na sua identidade diversificada e entregar o seu melhor. Conseguiu!