Estamos vivendo o auge dos anos 80. Você já parou para pensar nisso? A cultura pop está tomada de produtos – séries, filmes e músicas – fortemente influenciados pela estética da década. Esse processo de nostalgia é comum na indústria cultural, mas o revival da década que foi de 1981 a 1990 parece estar sendo bem mais profundo e duradouro do que de outros períodos. 2020, o anno terribilis da pandemia (que, como 1968, não acabou…) mostrou isso com particular intensidade.
A começar pela música mais ouvida do ano no Spotify: “Blinding Lights”, de The Weeknd. Se você se deparasse com essa música em meio a uma playlist de canções antigas, provavelmente não sentiria nenhum estranhamento: ela soa completamente oitentista com sua introdução etérea, que evoca a trilha sonora de Tron, depois sua batida e seus sintetizadores. E nem é somente esta canção – o álbum inteiro, “After Hours” (2020), remete fortemente aos anos 80.
The Weeknd não esteve sozinho nessa viagem ao passado em 2020. Dua Lipa também mergulhou fundo com seu álbum escancaradamente denominado “Future Nostalgia”. O videoclipe da canção “Physical” é uma representação dos programas de ginástica exibidos na TV no começo dos anos 80. A lista continua e adentra 2021: Miley Cyrus (“Night Crawling”, com participação de Billy Idol), Sia (“Let’s Love”), BTS (“Butter”), Niall Horan (“Heartbreak Weather”), John Mayer (“Last Train Home”), Incubus (“Into the Summer”), Weezer (“Van Weezer”), Smashing Pumpkins (“CYR”) e por aí vai.
Não é a primeira vez que símbolos culturais de uma década são celebrados em outra. Os anos 1950 foram festejados pela própria década de 80. Vinte anos atrás, multiplicavam-se as festas dos anos 60 e 70. Isso é corriqueiro. A diferença é o quanto o revival dos anos 1980 está durando. Normalmente, essa nostalgia ocorre em relação à década de vinte, ou até trinta anos antes e, depois de algum tempo, dá lugar à década seguinte. Com os anos 80 não é assim.
Primeiro, eles foram repudiados. Década perdida. Túmulo do rock. Época mais brega de todas, com suas cores neon, pochetes e roupas curtinhas e agarradinhas. Os anos 80 pareciam que seriam esquecidos para sempre, cobertos de vergonha.
Que nada. Bastou a virada do milênio para que eles ressurgissem cobertos de saudade, e isso nunca mais parou, na verdade, só cresceu. Já estamos há vinte anos num baile da Molly Ringwald, sem sinal de que vá parar tão cedo.
Em 2010, esta matéria no jornal inglês The Guardian já indicava espanto com o fato de a moda oitentista ter persistido por dez anos – até àquela altura. São relembrados ali os trabalhos de bandas mais do universo alternativo como Interpol, Franz Ferdinand e Bloc Party, que bebiam das influências do Post Punk, a vertente do rock dos anos 1980, da qual o representante máximo é o U2.
Na década passada, a saudade daquela época passou a influenciar também a música pop. Tem “Midnight City” de M83, de 2011; “Everything is Embarrassing” de Sky Ferreira, de 2012; “Uptight Downtown” de La Roux, de 2014; e “Seasons” de Future Island, de 2014; “Hotel Anywhere”, de Cold War Kids, de 2015; “Don’t take the money”, de Bleachers, de 2017; e “My Honest Face”, de Inhaler (a banda do filho do Bono), de 2019 – só para dar alguns poucos exemplos. Tem até uma vertente musical que revive os estilos musicais dos anos 80: o synthwave ou retrowave, adotado por bandas como Gunship, VHS Collection e Kavinsky.
Mas o que caracteriza essas músicas? Primeiro, o uso intenso de sintetizadores, com sons eletrônicos aplicados repetidamente, além de bateria eletrônica. Alguns desses sons, em particular, são marcas da época. O uso eventual de saxofone: outro truque muito usado hoje em dia para trazer reminiscências da época em que Kenny G estourou e levou o instrumento a ser usado em diversas canções.
A moda dos anos 80 não se restringiu à música. Está nos cinemas e na TV, por exemplo. A série Stranger Things, da Netflix é o exemplo máximo: ambientada a partir de 1983, a produção é uma homenagem à década, com incontáveis referências culturais e reconstituição muito detalhada. Também se passam na época produções como Jovem Sheldon, The Americans, This is Us, Chernobyl, Mulher Maravilha 84, Bumblebee, It: a Coisa. Embora não se passe nos anos 80, Cobra Kai é outro exemplo: seu sucesso vem exatamente de recuperar os atores e parte das tramas dos filmes Karate Kid originais. Nessa onda, vêm aí um novo Top Gun, um novo Indiana Jones…
Mas por quê? Porque os anos 80 não acabam?
Algumas coisas podem explicar a permanência dessa onda. A primeira delas é o fato de que as crianças e adolescentes que viveram aquela década hoje têm entre 30 e 50 anos, e são músicos, produtores musicais, artistas de todo tipo, produtores de conteúdo, tomadores de decisão na TV, na publicidade, nas indústrias da música e do cinema, e levam a nostalgia que eles próprios sentem – e sabem ser compartilhada por um grande público – para seu trabalho. Stranger Things é nostalgia pura e só poderia ser tão bem construída por alguém que vivencia esse sentimento.
Outra razão é o fato de os anos 80 terem sido extraordinariamente diversos do ponto de vista cultural, fornecendo, portanto, um quase inesgotável material para alimentar essa nostalgia. Pensemos na música: é uma década da qual se podem buscar influências de artistas tão distintos quanto Pet Shop Boys, U2, Michael Jackson, Madonna, Iron Maden, A-ha e Bonnie Tyler.
E o que o futuro reserva em termos de nostalgia? Até agora, 2021 também foi pródigo em influências oitentistas. Mas não será surpresa se a onda começar a refluir e a ceder espaço para a saudade dos anos 90 ou, quem sabe, dos anos 2000. Enquanto isso não acontece, ouça esta playlist com canções que não são dos anos 80, mas bem que poderiam ser.
Um adendo: a nostalgia dos anos 1980 não parece ter particular influência na cultura brasileira. É um fenômeno tipicamente anglo-americano, que repercute por aqui por que consumimos muito seus filmes, séries e músicas.
Fui ver a playlist disponibilizada no spotify e não é que o nome da playlist é exatamente igual a playlist que fiz há muito tempo ? :O FIQUEI CHOCADA HAHAHAHA
que coincidência
adorei io texto e as referências de músicas.