O rock está morto. Essa frase é dita há anos por roqueiros, para roqueiros. É um debate de nicho porque os fãs de outros estilos musicais não estão interessados em ouvir ou falar sobre isso. “É coisa de gente velha”, já ouvi adolescentes dizerem sobre o bom (e velho) rock’n’roll. O jovem tem o pop, o k-pop, o hip-hop, o funk. Já o rock, que reinou por tanto tempo, agora sofre com um declínio que já dura mais de duas décadas.
Evolução dos artistas com mais discos vendidos, de 1969 a 2019.
De certo modo, todos os estilos musicais renasceram no novo milênio, numa transição fortemente ligada à revolução digital. Aliás, todos os mercados globais passaram por isso. Ou quase todos. Se observarmos o vídeo acima, é possível perceber que o rock começou a perder força no final dos anos 1990, início dos anos 2000, e não parou mais. Atribuir uma única razão a este fenômeno seria insensato, e tentar explicá-lo por completo não é tarefa para um texto, mas para um livro que eu definitivamente não sou capaz de escrever.
Porém, aqui vai uma opinião impopular: um dos motivos de o rock não ter se adequado tão bem às redes sociais, aos novos tempos e aos novos públicos é o fato de que o roqueiro médio é preconceituoso e conservador no que diz respeito à música. Ser chamado de eclético é quase uma ofensa neste meio. Você não pode gostar de rap, de pop e ainda assim ouvir rock, senão não é roqueiro de verdade, seja lá o que isso significa.
Você até pode escutar novas bandas, mas precisa valorizar os clássicos: Led Zeppelin, Queen, Janis Joplin, Pink Floyd, Nirvana. Isso é que é música de verdade. A nova geração não chega nem perto, dizem. A construção identitária de pessoas assim passa pela negação quase completa de tudo que é novo ou diferente. Doa a quem doer, esse comportamento é a regra em muitos grupos de fãs, não a exceção. E isso não é de hoje. É um movimento antigo que se consolidou com tudo no início dos anos 2000. Coincidência?

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Síndrome de Meia-Noite em Paris: antigamente era melhor
Quem é considerado o último rockstar da história? Em qual década ocorreu sua ascensão meteórica e sua trágica despedida? Pois é. O rock não morreu em 1994. No restante dessa incrível década o estilo ainda contava com bandas com forte apelo popular a nível mundial: Oasis, Guns N’ Roses, Red Hot Chili Peppers, Green Day, Blink-182, todos os principais expoentes do grunge além do Nirvana e várias, várias outras.
O que muita gente ignora é o fato de que, já no início da década seguinte, muitos roqueiros iniciaram um processo de culto excessivo à nostalgia. Isso é algo que provavelmente já existe desde que o homo sapiens domina o planeta. Ao redor de uma fogueira, alguns dos primeiros humanos deviam lamentar sua realidade e afirmar que “antigamente era melhor, quando não existiam ferramentas e comunidades, rodas e pinturas rupestres”. Na ausência de um termo científico, chamo esse comportamento de Síndrome de Meia-Noite em Paris.
Na primeira metade dos anos 2000, o Linkin Park provavelmente era a maior banda do mundo e não era unanimidade entre os roqueiros. Muitos fãs e críticos pareciam não ver com bons olhos a mistura entre rock, hip-hop e música eletrônica típica do nu metal, estilo popularizado também por Korn, Limp Bizkit e Slipknot, entre outros. “Isso é rock de adolescente deprimido”, diziam os mais velhos, com desdém. E o Grunge que tanto amamos era o que, exatamente?

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A Rolling Stone deu apenas duas estrelas e meia ao “Hybrid Theory”, primeiro álbum do LP, mas o grupo se destacou como grande sucesso comercial. O Oasis ainda era gigante, apesar de seus melhores trabalhos serem da década anterior, e havia o The Strokes voando sob os holofotes, o Foo Fighters, o Radiohead e inúmeras novas bandas despontando na saudosa MTV, mas, para muitos fãs, o rock não era mais o mesmo.
Enquanto o público consumidor de pop e hip-hop recebia novos artistas de braços abertos, o roqueiro nostálgico se trancava no quarto com suas músicas antigas e a convicção triste de que jamais haveria outra banda como Nirvana ou The Beatles. No mercado nacional, grupos de destaque como CPM 22, Charlie Brown Jr e Detonautas também perderam espaço na medida em que os jovens migravam da roupa preta e cabelos compridos para roupas largas e bonés de aba reta. É aqui que entra em cena o verdadeiro protagonista da história, capaz de salvar ou matar um estilo: o jovem.
Quase 13 milhões de pessoas curtiram esse vídeo. Imagine quantas delas ouviram Fleetwood Mac pela primeira vez.
As “coisas de adolescente” são uma luz no fim do túnel para o rock
Em outubro de 2020, um vídeo viral do TikTok levou o álbum “Rumours”, do Fleetwood Mac, de volta ao top 10 da Billboard após 40 anos. Mesmo quem não usa a rede social deve ter visto. Em fevereiro de 2021, o hit “The Reason”, de 2004, maior (e único?) sucesso do Hoobastank, retornou com força total graças a uma nova trend – como são chamadas as modas que vem e vão na rede social chinesa. A hashtag #NotAPerfectPerson, em referência à música, já tem mais de 434 milhões de visualizações. O indie rock dançante de “Chinese New Year”, música de 2014 da banda Sales, tem 60 milhões de visualizações no YouTube e 130 milhões de reproduções no Spotify graças às dancinhas do TikTok.
Você consegue citar outra plataforma on-line em que algo nessas proporções tenha acontecido para bandas de rock desde o fim do MySpace? O último suspiro do rock no mainstream digital que me vem à mente como exemplo é o videoclipe de “Pork and Beans”, do Weezer, que viralizou em 2008 por usar memes da época no YouTube. Memes do YouTube. Danças do TikTok. Coisas de adolescente.
Outra notícia interessante é a mais nova rock star, Miley Cyrus. De adolescente prodígio da Disney a artista polêmica, a cantora recentemente adotou um visual e um estilo mais pesado. Ela vem gravando covers como essa versão de “Nothing Else Matters”, do Metallica, e fazendo declarações de amor ao gênero. Seu álbum “Plastic Hearts”, de 2020, se tornou o número 1 da parada Top Rock Albuns, desbancando o AC/DC.
Vai dizer que o cover de “Fade Into You” (primeira música) não ficou bom?
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A recepção de parte do público a tudo isso, especialmente aqui no Brasil, não foi das mais positivas, como era de se esperar. Basta ler a seção de comentários (embora ignorá-la faça bem à saúde), para saber que muitos não gostaram da ideia de ver uma das principais cantoras pop dos últimos anos migrando para o lado de cá. “O rock não precisa dessa suposta artista”, li outro dia no Facebook. Meu amigo, precisa sim. Precisa muito!
Goste você ou não da Miley Cyrus, ela é uma cantora de expressão, dona de uma voz potente e de uma base de fãs formada principalmente por jovens. É ótimo que ela esteja trazendo seu talento e seus seguidores para o rock. Há quem diga que é só jogada de marketing, mas qual a vantagem estratégica de migrar do pop para o rock em pleno 2020? Da mesma maneira, gostando ou não, o TikTok é a rede social mais popular do mundo. Você pode odiar a plataforma, mas não pode ignorar sua força midiática.
O rock está carente de novos ícones. Hoje, as principais bandas do estilo talvez sejam o Metallica e o Foo Fighters, que já podem ser consideradas clássicas. O Coldplay e grupos como Imagine Dragons e Twenty One Pilots também têm destaque, mas com um pé e meio no pop. E quando surgem bandas promissoras, como os garotos da Greta Van Fleet, os roqueiros de plantão partem ao ataque por considerarem o grupo uma cópia moderna de Led Zeppelin. Essa postura defensiva é de uma estupidez gigante.
Quando Elvis estava no topo das paradas, os mais velhos diziam que aquilo não era música. Quando o Grunge explodiu nos anos 90, o discurso foi o mesmo entre os conservadores. O ciclo se repete até hoje. Felizmente, quem define o sucesso de um artista ou de um gênero inteiro é o público jovem, geralmente aberto ao novo.
É óbvio que hoje não temos grandes nomes ou artistas tão originais quanto os ídolos de décadas passadas. Porém, ao invés de críticas e comparações, deveríamos receber novidades e iniciativas ousadas com aplausos. O possível futuro do rock não está nas nossas mãos, está na fama e na voz da Miley Cyrus, nos vídeos virais de 60 segundos do TikTok e nos fones de ouvido daquele adolescente que você não suporta, mas é quem vai decidir se o rock está morto ou não.