Evanescence surgiu a partir da união da vocalista Amy Lee e do guitarrista Ben Moody, que se conheceram em um acampamento cristão. Desde o seu início, a banda esteve associada ao mundo gospel. A gravadora que a revelou para o mundo, a Wind-Up Records, tinha em seu portfólio vários artistas do segmento, entre eles, o Creed, e o 12 Stones, do vocalista Paul Mccoy, que divide os vocais no single “Bring Me to Life”, cuja letra é claramente espiritual.
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O primeiro disco do Evanescence, “Fallen”, lançado no dia 04 de março de 2003, foi distribuído pela Wind-Up Records em diversas lojas de discos e livrarias cristãs, além de promover os singles do trabalho em rádios do segmento. O baixista do grupo na época, Rocky Gray, também tocava com as bandas de metal gospel Living Sacrifice e Soul Embraced.

Em entrevista à revista Stranger Things, antes do sucesso, Ben Moody disse: “A mensagem que nós, como banda, queremos transmitir mais do que qualquer coisa é simples – Deus é amor”. No encarte do debut do Evanescence, o guitarrista fez um agradecimento a Jesus Cristo: “Toda a vida que resta em mim é você”, escreveu.
Entretanto, quando “Fallen” começou escalar rapidamente as paradas de sucesso ao redor do mundo, o Evanescence decidiu se desvencilhar totalmente do nicho e reposicionar sua marca. Uma entrevista concedida por Amy Lee e Ben Moody à revista Entertainment Weekly, em abril de 2003, foi o ponto de virada.
“Existem pessoas que estão obcecadas com a ideia de que somos uma banda cristã disfarçada e que temos alguma mensagem secreta”, disse a vocalista. “Não temos afiliação espiritual com essa música. É simplesmente uma experiência de vida… Garanto que se os donos das livrarias cristãs ouvissem algumas dessas músicas, não venderiam o CD”, afirmou (via Blabbermouth).
O guitarrista Ben Moody, de forma mais enfática, declarou: “Não tenho vergonha de minhas crenças espirituais, mas de forma alguma as incorporo a esta banda. Na verdade, estamos no topo das paradas cristãs e eu fico tipo, ‘Que porra estamos fazendo lá?’”. O músico, que acabou deixando a banda pouco depois, ainda provocou a comunidade cristã, ao se comparar com “o cara que foi crucificado ao lado de Jesus” e afirmar: “tudo que eu quero que você faça é se lembrar de mim.”
Gravadora retira “Fallen” de lojas e rádios cristãs
As falas de Amy Lee e Ben Moody repercutiram negativamente no meio gospel, o que levou a um posicionamento da Wind-Up Records, que acabou retirando o disco de estreia do Evanescence de lojas cristãs. Alan Meltzer, presidente e proprietário da gravadora, publicou um comunicado em dizia: “Apesar de ter raízes na comunidade cristã antes do lançamento de ‘Fallen’, declarações recentes dos membros da banda deixaram bem claro que o Evanescence é uma banda secular e, como tal, vê sua música como entretenimento. Nem mais, nem menos. Como tal, sentimos fortemente que eles não pertencem mais às lojas de varejo cristãs.”
O executivo ainda explicou que o lançamento e promoção de “Fallen” junto ao público evangélico ocorreu com a ciência e consentimento da banda, embora a entrevista à Entertainment Weekly sugira o contrário.
“Apesar da base espiritual que despertou o interesse e entusiasmo na comunidade religiosa cristã, a banda agora se opõe a promover ou apoiar qualquer agenda religiosa. A decisão de lançar ‘Fallen’ no mercado cristão foi tomada após discussões e aprovação do artista. Obviamente, a banda teve uma mudança em sua perspectiva, bem como mudanças dentro da própria banda em relação aos novos membros da banda. Wind-Up lamenta profundamente esta situação“, declarou.
Também houve reação dos próprios lojistas. “Tivemos muitas reclamações sobre as letras, sexo e drogas”, disse Nathan Zimmerman, o proprietário da livraria Lifeway Christian, de Little Rock, Arkansas, cidade natal da banda. “Eles ofenderam algumas pessoas, então paramos de vendê-los há cerca de uma semana”, acrescentou.
A revista cristã CMM retirou a publicidade do disco de suas páginas e declarou. “Pedimos desculpas por qualquer confusão que isso possa causar e não queremos fornecer um endosso para a banda ou sua mensagem”, disse o editor Matthew Turner. Rádios religiosas também removeram “Bring Me To Life” de sua programação.
Amy Lee comenta a polêmica
Pouco tempo depois, em entrevista ao VH1, a vocalista Amy Lee teve a oportunidade de comentar a polêmica e reconheceu que as palavras de Ben Moody foram fortes. “Acho que foi mencionado para mim que estaríamos nessas lojas. O artigo da EW saiu e foi bastante ofensivo. Pensei que era divertido. Algumas coisas foram longe demais, mas o humor de Ben nem sempre é entendido da maneira certa. Eu tenho que rir agora”, disse.
Na sequência, ela negou que a banda tenha, em qualquer momento, tentado se vender como um grupo cristão. “Certamente não. Outros membros da banda fizeram. Sempre tivemos nossas próprias crenças. Não acho que duas pessoas na banda pensem a mesma coisa. No passado, outros membros da banda, que não vou nomear, ultrapassaram seus limites de representar a banda e falar sobre suas crenças pessoais e isso foi jogado nas crenças da banda. Não é disso que se trata esta banda. Não quero alienar ninguém. Se você consegue uma mensagem cristã de nossa música, legal, isso funciona para você. Estamos apenas tentando escrever sobre nossas vidas.”
A cantora foi ainda foi questionada sobre o teor religioso de algumas canções de “Fallen”, como é o caso de “Bring Me to Life” e “Tourniquet”, esta última escrita pelo baixista Rocky Gray sobre o suicídio na perspectiva do cristianismo. Amy Lee respondeu: “Muitas de nossas músicas são escritas de uma maneira que você pode interpretá-las como significando várias coisas diferentes“,
Com o passar do tempo, o tema passou a ser evitado por ela nas entrevistas. “Eu adoraria ver uma entrevista que não diga nada sobre minha religião”, disse ao Washington Post meses depois. Ela ainda enfatizou: “Quando começamos esta banda, nunca quis explorar nada sobre religião – isso é pessoal para mim. A controvérsia saiu do controle e não tem nada a ver comigo. Sinto que realmente quero ser levado a sério como um banda de rock.”
Anos depois, em 2006, na época do lançamento do segundo disco, “The Open Door”, a Reuters tentou tocar no assunto, que foi prontamente repelido. “Podemos, por favor, pular a coisa cristã? Eu estou tão cansado disso. É a coisa mais idiota. Lutei contra isso desde o início; Eu nunca quis ser associado a isso. Era uma coisa de Ben. Acabou. É um novo dia”, protestou a vocalista.
Em 2020, entretanto, em uma conversa com o Louder, não só voltou ao tópico como revelou que, inicialmente, a estratégia da Wind-Up Records para o Evanescence era semelhante àquela adotada com o Creed, algo que ela discordava. “Era importante para mim que não fôssemos rotulados como uma banda cristã, mas eu sou um cristão. Assinamos com uma gravadora Wind Up cujo maior sucesso foi Creed. E eles viam isso como um método, a única maneira que conheciam de fazer o que faziam“, contou.
Ela continuou, tentando se diferenciar da banda de Scott Stapp: “A cada passo do caminho, eles diziam: ‘Isso é o que vamos fazer porque é o que funcionou para o Creed’. Nós pensávamos: ‘Não, não somos o Creed. Não gostamos desse caminho, na verdade não somos nós.’ Mas eles viram o fato de sermos cristãos como algo que eles poderiam comercializar e essa foi uma das grandes lutas que tivemos que travar. E eventualmente vencemos, mas não sem um pouco de sangue no chão.”